O êxito nas relações passa por uma entrega com cooperação, onde cada um ocupa o seu lugar de modo autêntico e único
Lembra-se de quando distinguíamos a vida real da offline? Essa discussão parece ser batida, uma vez que boa parte das pessoas já concordam que cada ser é uma unidade em si. O que talvez não tenha sido assimilado é que ainda vivemos sob uma concepção cartesiana, onde nos habituamos a separar nosso viver em áreas: família, trabalho, romance, amizade, redes sociais.
O mais curioso é perceber que se trata de um modo de pensar concebido há mais 400 anos por René Descartes (1596-1650), um dos filósofos mais importantes e influentes na construção do pensamento ocidental. Seu instigante pensamento segue válido, é claro, mas particularmente nesta seara, é algo anacrônico. Uma ficção que pouco nos auxilia em nossas relações.
O fato é que somos o que somos em qualquer esfera da nossa vida, ainda que ali ou acolá possamos externar uma ou outra faceta com maior clareza de acordo com a nossa conveniência. Essa dinâmica também se reproduz nas relações contratuais que pactuamos ao longo da vida.
Conhece-te a ti mesmo
Não há uma receita para o sucesso. Até porque, mesmo se houvesse, as particularidades de indivíduo dentro de uma relação societária colocariam em xeque esse milimétrico equilíbrio de fatores. Por outro lado, alguns processos nos auxiliam a prosperar sem tantos percalços.
O autoconhecimento é uma das principais chaves deste processo. Percebo que conectar e reconhecer tudo aquilo que nos habita amplia as nossas possibilidades de sucesso nas relações que empreendemos, sejam elas pessoais, empresariais ou de trabalho.
O caminhar para essa integração rumo ao esperado êxito e harmonia relacional passa por algumas tomadas de consciência e mudança de perspectivas sobre esses relacionamentos. Contudo, apenas enxergar-se não é suficiente. É preciso reconhecer as individualidades e anseios do outro e, dentro da diversidade, desenvolver o que melhor temos juntos em prol da sustentabilidade do nosso negócio.
O perigo da necessidade de pertencimento
Em nossa jornada existencial, pertencer é algo que norteia nossas ações desde os nossos primeiros anos de vida. E seguimos com estratégias em busca desse pertencer pelo resto da idade adulta. O senso de pertencimento está intrinsecamente ligado ao fato de estarmos ou não em nosso devido lugar, o que só se revela à medida que vamos nos autorreconhecendo.
As relações têm papel fundamental nesse processo de autorrevelação. É através do outro que podemos perceber nossas expectativas, nossos modos grandiloquentes e esforços, muitas vezes inúteis, que fazemos para pertencer.
Quantas vezes não nos perguntamos: como devo me comportar para poder pertencer a esse grupo que tanto importa para mim? O que devo evitar para não ser excluído? O que posso compartilhar para ser aceito?
Como primorosamente pontuado pelo mestre Bert Hellinger, em seu livro Ordens do Sucesso:
“Muitas vezes, as convicções e expectativas de um grupo nos arrebatam, para prejuízo de muitos, incluído o nosso próprio …”.
Aqui é importante pontuar que o alerta dessa narrativa está na perspectiva de que, ao tentar pertencer, nos afastamos por vezes de quem somos e corremos o risco de sermos tragados por esse anseio de pertencimento. Isso não só sobrecarrega nossas relações como também dificulta o encontro com outro, uma vez que ficamos apenas na autorreferência, depositando no outro o cuidado com nossa necessidade de pertencimento.
A harmonia das relações societárias
Então, encontrar verdadeiramente o outro exige abraçar a minha inteireza, para que, a partir daí, eu me disponibilize para enxergar o outro também na sua inteireza e grandeza. Como já dito, esse caminho em busca do pertencimento não é solitário ou isolado. Ele é na relação, porque é com o outro que tenho a possibilidade de ampliar o meu lugar e, juntos, expandirmos-nos, principalmente quando experienciamos relacionamentos societários ou amorosos.
Nesse trilhar, há um encontro onde podemos convergir com o outro para construir algo que faça sentido para ambos. É nesse ponto em comum, ombro a ombro, que podemos abrir mão de arquétipos preconceituosos que atuam em nossas relações, compreendendo que dependemos mutuamente do outro de forma distinta e própria para alcançarmos algo que nos permita prosperar.
Quando transportamos essa abordagem para uma experiência amorosa, societária ou de trabalho, a dinâmica é a mesma. Para que a relação floresça e se fortaleça, trazendo sucesso e sustentabilidade, é preciso ter clareza de quem somos. Somente tal clareza permitirá que o lugar que ocupamos aflore, possibilitando a criação de um ambiente edificante onde possamos nos realocar quando a vida convocar mudanças e, com isso, experimentar a satisfação comum.
Concluo assim que o êxito nas relações societárias, trabalhistas e amorosas passa por uma entrega com cooperação, onde cada um ocupa o seu lugar de modo autêntico e único. A colaboração está sempre presente no dar e receber que equilibra todo relacionamento.
Abrir-se para esse reconhecimento nos tira do lugar de inocência e passividade diante das expectativas que criamos do outro e nos coloca em ação para encontrar o caminho do meio na relação. Trata-se de uma dinâmica onde todos contribuem, na medida das suas reais possibilidades, para o sucesso do que juntos queremos construir.