O Direito Integrativo não se trata apenas de procedimentos legais, mas sim de uma mudança fundamental na visão de mundo, na prática da advocacia e no conceito de justiça
Pense em um corpo humano. Um grande sistema interligado, formado por células, ossos, tecidos, órgãos que juntos compõem um todo. Um ser complexo, formado por inúmeras partes interdependentes. Para que tudo funcione corretamente, é preciso equilíbrio e boas condições para o bem-estar.
Assim também somos enquanto seres sociais. Vivemos em uma grande teia relacional, múltipla e única ao mesmo tempo. Onde todas as formas de vida se relacionam, gerando impacto umas sobre as outras.
Entender essa interconexão é o primeiro passo para pensar em um conceito mais amplo de justiça. A justiça como harmonia e paz, um movimento que se entremeia e retroalimenta a partir de uma experiência individual, inter-relacional e coletiva.
A paz só pode existir com harmonia das relações, com a pacificação social. Isso é possível com reconhecimento do diferente e com o estabelecimento do diálogo. É o oposto da homogeneidade, onde todos aparentemente pensam e agem de igual maneira.
Pensar na justiça a partir desse olhar pode soar como algo novo. Contudo, a interdisciplinaridade há mais de um século acontece no plano da ciência do conhecimento, com a ruptura do modelo cartesiano absoluto. Ao deixarmos para trás um modelo linear de se analisar o mundo, passamos a entender melhor o complexo tecido relacional.
Nada é um fim em si mesmo. Tudo é interdependente de alguma forma, tanto do ponto de vista cultural quanto social e econômico. Com o amplo acesso às informações, nunca antes foi tão rápido compreender que uma sistemática materialista, extrativista, individualista e focada em resultados a qualquer custo está fadada a ruir a sociedade e o planeta, exacerbando conflitos e nos afastando da tão desejada paz social.
Ao mesmo tempo, vemos que o Direito tradicional, envolto pelo manto da burocracia e litigiosidade, não nos permite acessar as reais motivações de um conflito. O cliente até pode sair vencedor de uma disputa judicial, mas permanece com sua angústia, seu desconforto na relação rompida e inacabada.
Na abordagem estritamente legal e pragmática do Direito, essas questões são empurradas para debaixo do tapete. Somente com as ferramentas convencionais, os operadores do Direito não conseguem dar conta de proporcionar um alívio para isso.
Pensar que a Justiça se resume ao acesso ao Judiciário é reducionista e bastante limitador. Nosso papel enquanto operadores do Direito é ser um trilho para que as pessoas possam ocupar os seus lugares na sociedade, com equidade e harmonia.
Advogado não é um herói sem capa
O paradigma atual reforça a ideia de que partir para uma ação judicial é sair da inércia, tomar uma atitude em relação a algum problema. Assim, também se reitera que o bom advogado é aquele que parte para a briga. Isso torna a atuação do profissional ainda mais pesada e endurecida, por se sentir na obrigação de ser uma espécie de salva-vidas de alguém.
É preciso admitir que existe uma visão hierárquica-paternalista do sistema judiciário. Ao longo do tempo, criou-se a ideia de que esse é um espaço em que juiz e advogados vão falar e decidir o que é melhor para os envolvidos.
Quando se passa a analisar as situações de forma sistêmica e holística, você sai desse lugar de julgar, de procurar o culpado/inocente e consegue trazer um olhar para o essencial daquilo que está acontecendo, das pessoas que estão relacionadas. Permite, assim, reconhecer o passado, focar no presente e construir possibilidades regenerativas para o futuro daquela relação – ao invés de simplesmente olhar para o que aconteceu e punir as transgressões.
O Direito Integrativo é inovador nesse sentido por promover uma combinação de práticas e métodos, tendo em vista uma abordagem mais regenerativa da advocacia. O termo é relativamente recente e é promovido principalmente por proponentes de modelos jurídicos alternativos.
No cerne do conceito está uma prática que promove um impacto sistêmico e coloca o advogado como um agente transformador, que impacta e é impactado diretamente pelo o que está acontecendo com o seu cliente. Assim, permite que o advogado entenda que a solução que vier a propor também causa não apenas reflexos na vida do cliente, mas também na rede social dessa pessoa e no mundo em que ela vive.
O Direito Integrativo está preocupado com os efeitos dessa prática, para além da questão cliente versus pagamento de honorários. Coloca o exercício da advocacia a serviço de algo maior, com o propósito de melhorar as conexões ao invés de isolar ou apartar as pessoas.
Essa abordagem também inclui modelos preventivos, identificando riscos de forma proativa e tomando ações que irão prevenir conflitos. Desse modo, pode-se pensar em sistemas de ganha-ganha, onde os envolvidos, a comunidade subjacente e os valores sociais abrangentes são todos beneficiados.
São pequenas sementes que plantamos em cada atendimento. O acolhimento que promovemos quando nos colocamos de forma inteira nesse contato abre a possibilidade de que o cliente se abra e permita que possamos ajudá-lo mais profundamente, indo até a raiz dos problemas. Assim também podemos orientá-lo sobre suas responsabilidades e dar ferramentas para que autonegocie as soluções para os seus conflitos.
Sua prática não está dissociada da pessoa que você é. Afinal, não existe um perfil profissional e uma outra pessoa na vida privada. É poder se identificar como um todo e, nesse todo, se colocar a serviço do outro e do mundo.
Aqui, o advogado não é um salvador, mas alguém que apoia e colabora para que as próprias pessoas, a partir de suas vivências e expectativas, possam enxergar seus conflitos com transição para algo novo, e não na redução de algo ruim que pode ser evitado. Assim, podemos ser agentes promotores de justiça, reconhecimento, cura e regeneração.